No contexto do Espiritismo, o processo cármico é compreendido como o mecanismo pelo qual colhemos, no presente, os frutos das sementes que plantamos no passado. Trata-se de um conceito profundamente ligado à lei de causa e efeito, que rege as consequências morais dos nossos atos ao longo das sucessivas existências. Contudo, é essencial que essa ideia seja abordada com clareza e serenidade, para evitar interpretações distorcidas ou fatalistas.
Frequentemente, ao tentarmos entender os insucessos, as doenças e as perdas que surgem em nossas vidas, buscamos respostas nas experiências pretéritas do espírito. De fato, o Espiritismo reconhece que somos seres imortais, viajores milenares, carregando na essência as marcas das decisões e experiências vividas em outras encarnações. Assim, muitos dos desafios atuais podem ter raízes em atitudes e escolhas pretéritas, que retornam não como punição, mas como oportunidades de aprendizado e reajuste.
Todavia, é fundamental compreendermos que esse processo não é um sistema automático de punições. O erro cometido no passado não implica, necessariamente, que estejamos agora condenados a sofrer. Deus, em sua infinita justiça e bondade, não deseja o sofrimento de seus filhos. O que ocorre, na realidade, é que o espírito, em seu processo evolutivo, sente a necessidade de reajustar o que foi desviado, de reparar o que foi prejudicado, e de aprender, pela vivência, aquilo que ainda não assimilou.
Somos, antes de tudo, espíritos em evolução, passando por experiências humanas. Nessa jornada, os erros têm uma função pedagógica importante: permitem que vivamos a reação natural das leis da vida, ajudando-nos a reconhecer o que precisa ser corrigido. Dessa forma, o erro, longe de ser um carimbo eterno de culpa, é um convite à transformação. É por isso que o Espiritismo não enxerga o processo cármico como um castigo, mas como um mecanismo amoroso que visa nos impulsionar para estados mais elevados de consciência.
Naturalmente, devemos nos esforçar para evitar o erro e superar as nossas imperfeições. O progresso moral passa pelo esforço consciente em domar más inclinações, cultivar virtudes e agir com mais amor. Mas é preciso também abandonar a ideia equivocada de que Deus nos culpa, nos pune com doenças graves ou nos leva à morte prematura como forma de retaliação por equívocos cometidos em existências passadas. Deus é Pai de amor, não um juiz implacável.
É igualmente necessário afastar a noção de determinismo absoluto. O processo cármico não nos retira o livre-arbítrio. Pelo contrário, ele se harmoniza com a liberdade que Deus concedeu a cada um. Somos livres para escolher novos caminhos, novas atitudes, que podem inclusive amenizar ou modificar a rota dos efeitos antes previstos. O evangelho nos mostra que o amor cobre a multidão de pecados, indicando que a prática do bem tem poder regenerador imenso.
Portanto, quando enfrentamos dores ou desafios que parecem desproporcionais, não devemos enxergá-los como castigos divinos, mas como oportunidades de evolução. Se muitas vezes nos vemos “vítimas” das consequências da falta de amor e de maturidade que ainda não cultivamos, devemos entender que essa colheita não é definitiva. Cada instante é chance de plantar novas sementes, de renovar atitudes, de aprender o verdadeiro significado do perdão e da compaixão.
Assim, numa visão madura do processo cármico, percebemos que ele é um instrumento educativo, jamais um algoz. A providência divina é infinitamente sábia e utiliza as circunstâncias da vida para nos orientar rumo ao aperfeiçoamento. Mesmo quando os fardos parecem pesados demais, não estamos desamparados: a espiritualidade nos acompanha, inspira e fortalece para que consigamos transpor os obstáculos e sair deles espiritualmente enriquecidos.
Concluímos, então, que falar de processo cármico é falar de esperança. É reconhecer que as dores do presente têm finalidade, e que Deus, em sua misericórdia, nos concede sempre novas oportunidades de reparação e progresso. Cabe a nós, com humildade e coragem, seguir avançando, confiando no amparo do Alto e trabalhando, dia após dia, para que o amor substitua, em nosso coração, tudo aquilo que um dia foi ignorância, orgulho ou egoísmo.
Essa é a verdadeira libertação que o Espiritismo propõe: não um determinismo opressor, mas a possibilidade de renovar destinos pela força do bem, sob as luzes da imortalidade da alma e da justiça perfeita de Deus.
Com amor,
Irmão Savas