Uma das causas mais influentes em nossa infelicidade na vida é a Inveja. Todavia, para entendermos adequadamente este sentimento temos que tentar descobrir a estrutura básica que o antecede. Somente na reflexão da estrutura-mãe da inveja é que teremos consciência deste sentimento na nossa vida e poderemos aprender a lidar com ele em nosso comportamento.
Qual será o mecanismo básico, o mecanismo intelectual que nos move para a inveja? Este mecanismo, responsável pelos nossos ressentimentos é o mecanismo da Comparação. Sem uma profunda meditação sobre o processo comparativo, jamais chegaremos a entender e a avançar no nosso modo de vida, relativamente a este sentimento. Falar da inveja é falar sobre a comparação, sobre o processo de nos compararmos com as outras pessoas. Quando nós nos comparamos com os outros e nos sentimos inferiores a eles em algum aspecto, estamos com inveja. Não estavos dizendo que todas as vezes que nos comparamos sentimos inveja. Estamos afirmando que nunca poderá haver inveja, sem que antes tenha havido uma comparação.
A inveja é a vivência de um sentimento interior sob a forma de frustração, de tristeza, de mal-estar, de acanhamento, por nos sentirmos menores do que alguém, por nos sentirmos menos do que o outro, por não possuirmos o que o outro possui, por não sermos o que o outro é. É o desequilíbrio íntimo, oriundo de um sentimento de inferioridade, fruto da comparação que fizemos entre nós e o outro em algum aspecto específico: – ou nas posses materiais, na casa, no carro, na roupa, no dinheiro ou nas suas qualidades psicológicas, morais, físicas, sociais ou espirituais.
E como a inveja é um desequilíbrio entre nós e os outros num processo comparativo, desde cedo nos foram ensinando alguns mecanismos de defesa para este desequilíbrio. E nestes mecanismos escondemos de nós o sentimento de inveja e pode até acontecer acharmos que não vivenciamos este sentimento.
A Inveja não aparece tão claramente assim. Nós nos comparamos com alguém, sentimo-nos inferiores a ele e ficamos frustrados.
O Processo do Ressentimento é muito mais sutil, muito mais encoberto. Um dos mecanismos mais comuns é exatamente aquele em que, ao nos sentirmos menores do que os outros, nós nos aumentamos, nos vangloriamos, nos enaltecemos para evitar o mal-estar do desequilíbrio. Falamos excessivamente bem das nossas próprias coisas e, ao mesmo tempo, procuramos diminuir o outro através de crítica. Quando criticamos alguém, quando diminuimos alguém, quando ofendemos alguém, quando temos necessidade de falar mal de alguém, provavelmente estamos nos sentindo inferiores a ele.
Por isso mesmo, é que se diz que o arrogante é a pessoa que parte do pressuposto de que é inferior às outras pessoas. A Inveja é a incapacidade de ver a luz das outras pessoas, a alegria, o brilho, a luminosidade de alguém, seja em que aspecto for.
A inveja é o sentimento daqueles que não encontraram respos tas para a diversidade do mundo e das pessoas. E esta incapacidade de aceitar que as coisas e as pessoas sejam diferentes é uma rejeição da sua própria pessoa como sendo diferente das demais. A inveja é a auto-aversão por não sermos como os outros são. O que há de negativo na inveja é esta auto-rejeição em algum ponto do seu modo de estar na vida, do seu próprio tamanho. Muitas pessoas pensam que inveja é quando vemos algo em alguém e queremos ter ou ser iguais ao outro. Isto é apenas um desejo de aprendizado, apenas um desejo de crescimento. O que caracteriza a inveja é uma frustração conosco mesmos, é a tristeza conosco mesmos, é a intolerância com nós próprios por nos sentirmos menores do que os outros. Por outro lado, toda a nossa sociedade é baseada na comparação, toda a nossa cultura é uma cultura da comparação.
A força elementar, fundamental, do nosso sistema é o processo comparativo. A melhor definição para o homem não é mais a de um animal racional, mas a do homem como um animal que se compara. O cume do nosso modo de viver, o núcleo de nossa maneira de estar na sociedade é o movimento comparativo. Todo o processo social se baseia na comparação. Nós aprendemos, desde muito cedo, a interiorizar esse processo em nosso comportamento. Como tudo é relativo, como tudo está em relação, nós perdemos a capacidade de ver as coisas em si mesmas e só cons eguimos entender as pessoas e as coisas em comparação umas com as outras. Vejamos esta interiorização no nosso processo educativo. Na família, por exemplo, todo o processo familiar, todo o acontecimento na família vem eivado da mania comparativa. Sempre houve alguém na nossa história familiar que, em um ou outro momento, nos foi apontado como padrão ou a quem nós fomos apontados como modelo.
É imensa a carga de comparação a que somos diariamente submetidos. É uma força tão imensa que poucas vezes nos damos conta dela. Tão imersos estamos nesse processo que, infelizmente, talvez jamais tenhamos refletido sobre esta estrutura que penetrou e continua penetrando todo o nosso jeito de existir na vida. Vamos ver uma outra instituição, a escola. Todo o sistema escolar é baseado na comparação. Se acabássemos com a comparação, acabaríamos com a escola, pelo menos da maneira como ela existe hoje: primeiro lugar, segundo lugar, último lugar, classes mais adiantadas, classes mais atrasadas, notas, avaliações. A força da comparação é tão presente em nossa vida, que poderíamos chamá-la de sangue cultural. É como se estivesse dentro de nós, como o sangue que corre nas nossas veias. E quem não tiver consciência deste processo ao qual é submetido diariamente em todos os lugares, em todos os momentos, das mais variadas formas, dificilmente conseguirá trabalhar ou sair do seu sentimento de inveja. Provavelmente viverá em estados depressivos constantes, com frequentes sensações de impotência e inferioridade, em momentos de insatisfação consigo mesmo e sem ao menos perceber e aceitar que existe o traço da inveja.
Aliás, este sentimento no caminho da saúde psicológica é o mais difícil de ser tratado, porque as pessoas não têm consciência da sua própria inveja, das suas mágoas, das suas frustrações em si mesmas. Em outras instituições, na igreja, nas empresas, nos clubes, sempre nos foram dados padrões de modelos a seguir, sempre fomos convidados por elas a reforçar o caminho da comparação. A sociedade em que vivemos é sempre comparativa nos seus vários instrumentos de transmissão cultural. Nos filmes que assistimos sempre haviam os nossos heróis, os nossos padrões. Toda propaganda no rádio, no jornal e na televisão em nossa cultura, é baseada no processo comparativo, entre nós e os modelos que nos são apresentados. A trama-base de qualquer propaganda, consiste em que olhemos alguém no vídeo, por exemplo, com todas as qualidades de riqueza, poder, prestígio, inteligência, dinamismo, beleza, força e magnetismo pessoal, que nos comparemos com os ambientes e pessoas apresentadas, que nos sintamos inferiores, magoados e diminuídos e, em seguida, é-nos apresentada a solução para resolver aquele mal-estar – a compra de alguns produtos que nos farão iguais aos padrões apresentados!
Não há, pois, dúvidas quanto ao nosso envolvimento social na comparação. Aqui, uma questão fundamental se apresenta para nossa reflexão. Se, de um lado, entendemos que a comparação é que nos conduz à inveja e se, por outro lado, sabemos que todo processo social é comparativo e ainda que a comparação é uma força tão grande da qual inclusive não nos é possível sair, se o ímpeto de nos comparar é tão imenso, qual seria a maneira de sairmos do sentimento de inveja? Como nos modificarmos relativamente ao sentimento?
Alguns de nós já devem ter tido contato com o judô e aprendido algo a respeito das suas regras básicas. A sua primeira regra, que dá consistência e significado a esta luta, é saber usar a força do adversário em seu favor, é apoiar-se na força do adversário. Em relação a este sentimento, a saída é saber usar a força da comparação em nosso favor e não contra nós, como é o caso da inveja, porque os principais prejudicados na inveja não são os outros, mas nós mesmos. É o sentimento de rejeição corporal, psicológica, financeira, social, profissional e espiritual de nós mesmos. Heráclito afirmava que os cidadãos de Éfeso deviam ser todos enforcados pois, movidos pela inveja, diziam: “Ninguém deve ser o primeiro entre nós.” Pela minha parte, imagino que isto era desnecessário, pois não conheço outro sentimento que mais nos oprima, que mais nos enforque, do que a própria inveja. Invejoso é aquele que, ao invés de sentir prazer com aquilo que ele é ou com aquilo que tem, sofre com aquilo que não é e com aquilo que não tem. E só há uma saída – sabermos usar esse processo comparativo em nosso favor. Acabar com o nosso ímpeto, com os nossos impulsos comparativos, não é possível.
Mas qual seria a maneira de usarmos a nossa tendência comparativa em nosso favor e não contra nós? Existe um tipo de comparação com a qual não estamos acostumados, que normalmente não fazemos e, se a fizermos, nós sairemos fora do processo da inveja: é a Auto-Comparação, a comparação conosco mesmos. Nós sabemos sempre muito bem quanto ganham os nossos vizinhos, os nossos amigos, os nossos parentes, mais jamais fizemos uma análise do índice do nosso crescimento nos últimos anos.
Estamos hoje piores ou melhores do que éramos ontem? Em termos sociais, psicológicos, financeiros, espirituais, estamos melhores ou piores do que estávamos há algum tempo atrás? Há uma grande diferença entre a comparação com os outros e a comparação conosco mesmos. Na auto-comparação, fortalecemos o nosso céu, o nosso centro, o nosso ponto de equilíbrio. Passamos a nos dirigir de dentro, em função do que realmente somos e não em função do que os outros esperam de nós. Nós passamos a ser o nosso únic o ponto fundamental de referência, passamos a ser donos da nossa própria vida, pois, quando nos comparamos com os outros, eles são o nosso padrão, a nossa referência, saímos para fora do nosso eixo, somos dirigidos de fora. A auto-comparação leva-nos a um fortalecimento interior. Fortalecemos a nossa identidade, reencontramos a nós mesmos, passamos a ser o nosso próprio ponto de apoio.
Na outra, na hetero-comparação, nós nos alienamos, perdemos a nossa identidade, e passamos a estar na vida para realizar expectativas fora de nós. E nós fomos acostumados apenas a nos comparar com os outros e não temos feito exercícios de auto-comparação. Daí os nossos profundos sentimentos de depressão, de frustração e de insatisfação na vida.
O processo de comparação com o outro, sem um fortalecimento do nosso Eu através da auto-comparação, leva-nos a ma forma de desespero, porque sempre haverá alguém melhor do que nós em algum aspecto, sempre. O mundo é o mundo das diferenças. Cada pessoa tem o seu ritmo, o seu jeito, o seu caminho, o seu próprio nível. Não estamos no mundo para sermos mais do que alguém, mas apenas para realizar o nosso próprio potencial, para sermos cada vez mais, cada vez melhores, comparados conosco mesmos. Alguém poderia perguntar: “Mas o aprendizado não vem de uma comparação, de um padrão?” É verdade, só podemos aprender com alguém fazendo uma comparação, vendo nele o que não somos, o que não temos e procurando imitá-lo, crescendo de acordo com aquele padrão, mas só quando estamos centrados em nós mesmos através da auto-comparação. Quando o mecanismo da auto-comparação já faz parte do nosso comportamento é que nos será possível olharmos as outras pessoas, compararmo-nos com elas e aprender com elas, porque a comparação com os outros é aprender com eles, é Admiração. No fundo de cada sentimento de inveja, existe o sentimento de admiração, mas este só pode desabrochar quando estamos muito centrados no nosso próprio tamanho, se estivermos em postura de agradecimento pelo que já somos, pelo que já temos, porque admiração pelos outros mais a tristeza conosco mesmos, é a inveja.
O invejoso quando vê alguém a quem deveria admirar, tende a diminuir essa pessoa. Esta é a diferença entre as estrelas e os planetas. Cada estrela é de uma grandeza, de um tamanho, como nós, mas tem sua luz própria, brilha com sua própria luz. O planeta não tem luz própria e só consegue brilhar através da luz das estrelas. Por isso é que amigo é aquele que fica alegre com a alegria do seu amigo e não o invejoso, que tenta roubar a luz, a alegria do outro. Mesmo porque não se resolve a inveja, o ressentimento, torcendo pela queda do outro, porque negar as próprias limitações com as limitações dos outros não dá vida a ninguém. Só quando formos padrão de nós mesmos, reencontraremos a alegria de ser o que somos, de ter o que temos, de viver como vivemos. Somente o exercício da auto-comparação nos levará à auto-aceitação, à realização do nosso próprio tamanho. Há cerca de cem anos atrás, um mestre idoso e coberto de honrarias estava à morte. Seus discípulos perguntaram: “Mestre, você está com medo de morrer?” “Estou”, respondeu ele. “Estou com medo de me encontrar com o Criador”. “Mas, como?!”, disse um discípulo. “Você teve uma vida exemplar.
Assim como Moisés, tirou-nos das trevas da ignorância!”. “Você fez julgamentos justos como Salomão”, disse outro discípulo. O Mestre respondeu: – “Quando eu me encontrar com Deus, Ele não vai me perguntar se eu fui Moisés ou se eu fui Salomão. Ele apenas vai me perguntar se eu fui eu mesmo”.
Antônio Roberto Soares – Psicólogo