Um dos aspectos psicológicos que mais interesse nos tem despertado nos últimos anos é a Depressão. Estima-se que existam no Brasil pelo menos seis milhões de deprimidos crônicos, sem se falar nos vários milhões de deprimidos comuns.
A Depressão é uma desvitalização, é uma perda de interesse pelas pessoas e pelas coisas, é um estado de prostração e desânimo diante da vida, é um sentimento de inutilidade e insignificância de tudo. A Estafa é o nome mais comum dado às nossas depressões existenciais. É uma forma de cansaço mais agudo, físico e mental.
A Estafa ou Depressão é a perda da nossa energia. Entenderemos melhor a estafa vinculada ao conceito de energia. A ausência de energia é a incapacidade para a ação. Nos nossos momentos depressivos, a vontade mais clara é a de não fazer nada, é a incapacidade para a vivência, para o contato com o mundo em movimento. Modernamente, um dos maiores problemas que acometem o homem é a sua incompetência para lidar com a sua própria energia. É a perda abusiva, contínua e excessiva da sua energia.
Na Estafa há dois pólos: há uma perda, e por isso, se diz que a pessoa está esgotada, mas há também um polo de saturação e de excesso. Excesso de preocupações, explicitado sobretudo através da ansiedade, da pressa e das tensões. A pressa é uma movimentação excessiva do nosso corpo em busca do futuro; é a vontade de que o mundo faça acontecer algo “para ver o que vai dar”; é a vontade no corpo de que o desconhecido se torne conhecido antes da hora; é a tensão corporal para um perigo que possa vir, a preparação do corpo para uma luta.
Na Estafa há um máximo e um mínimo, as tensões e preocupações e a sua correspondente posterior, que é a depressão, em maior ou menor grau. Todos nós possuímos uma energia de vida, uma energização pessoal, que nos move à ação e que possibilita estarmos presentes à realidade viva da existência, tornando-nos aptos para a relação com o mundo. Quando, eventualmente, devido a alguns fatores, perdemos contato com essa energia individual, sentimo-nos deprimidos e estafados.
E qual é o nome desta Energia Vital que, se é perdida constantemente e não é recuperada, nos faz cair em estafa? Qual é o nome desta energia individual que nos foi dada de graça, de presente, que nos é inata, e cuja perda mos conduz a um estado de sofrimento?
Alguns a chamam de Paz, de Vida Interior, de Harmonia, de Amor, de Entusiasmo, de Motivação, de Equilíbrio, de Sentimento, de Espontaneidade, de Simplicidade e de Naturalidade. Mas, há um nome que congrega todos estes aspectos, um nome que é a síntese de todos estes modos de estar. Esta nossa energia vital chama-se Alegria.
Alegria é a nossa energia de vida e, se a perdemos constantemente, e não sabemos recuperá-la, isto nos faz cair em estafa.
Todas as pessoas estafadas apresentam algo em comum: estão tristes, perderam a alegria de viver, a alegria de estar na existência, a alegria de saborear o movimento do mundo. Alguns dirão: “Mas nós ficamos alegres ou não, de acordo com as circunstâncias, de acordo com os acontecimentos!” Aí é que está. Numa sociedade competitiva, transferirmos para os outros a determinação da nossa energia vital, é convidarmo-nos ingenuamente para o caminho depressivo, é entregarmos nossa alma ao diabo! A Alegria é um processo interior, íntimo, de dentro para fora e não de fora para dentro.
A Alegria é um processo pessoal, inalienável e intransferível. Cada um de nós é o único responsável pela administração da sua própria energia. E a Alegria não cai do céu, não é algo que aconteça por acaso. Ela tem de ser plantada, adubada, regada, tratada e colhida. E novamente plantada, adubada , regada, tratada e colhida.
A Alegria nasce da integral disposição íntima diante da vida. Ela não nos é dada por ninguém, ela já é nossa, é um dom da vida. Somos nós mesmos vivendo. É ela o nosso sim à vida. A alegria não é simplesmente o riso – o riso é apenas um fruto dela. A alegria é um processo íntimo de contato com o Universo.
Mas, como podemos evitar a perda de nossa energia vital? Como podemos recuperá-la depois de a termos perdido? Em todos os temas da série Desenvolvimento Comportamental, do primeiro ao último, nós só tratamos deste assunto – o único tema destas mensagens é o tema da Alegria.
Quando falamos no medo de perder e na vontade de ganhar e que o medo de perder nos faz tristes pela possibilidade da perda e a vontade de ganhar desperta a nossa alegria pela possibilidade de ganho. Quando assinalamos as posturas da vítima e do herói é porque são comportamentos vitais que nos levam à depressão.
Quando dissemos que convém nos perdoarmos pelo passado, é porque a culpa é uma tristeza pelo erro e o auto-perdão é a recuperação da alegria. E se a inveja é a tristeza em nós mesmos por não sermos como os outros, a auto-comparação é o mecanismo para nos devolver a energia, a alegria perdida.
Mas somos muito espertos na perda de nossa alegria. São muito elaborados os jogos que aprendemos no relacionamento humano, responsáveis pela perda da nossa energia vital. Um dos jogos é o Jogo da Razão. Consiste em nos relacionarmos com as outras pessoas com o objetivo de termos razão: “Eu tenho razão. Você não tem razão. Eu é que tenho razão!”. Como se a coisa mais importante para nós fosse ter razão. É a disputa constante para ver quem é o melhor, o mais inteligente, o mais entendido, o mais certo, o mais esperto.
É a supremacia da discussão sobre a Reflexão. É o perde-ganha no relacionamento humano. Este mecanismo mina nossas energias no relacionamento e, no final, um tem razão ou os dois têm razão e não chegam a nada – estão tristes e frustrados. Outro jogo, já refletido nestas mensagens, é o jogo da infelicidade, é o Jogo da Vítima.
Ele ocorre quando transformamos nossa vida num muro de lamentações, quando usamos a tristeza como forma de manipulação do ambiente, quando trocamos a nossa Alegria pela loucura do controle.
Finalmente, um terceiro jogo, responsável pela perda da nossa motivação vital, é o Jogo da Renúncia. Este jogo consiste em abrirmos mão das coisas que nos são importantes, que são adubos para a nossa alegria interior, em favor de alguém e em nome do amor, para depois, deprimidos, dizermos: “Se não fosse por você, se não tivesse feito isto por você, eu seria feliz.
Você é o culpado por eu não estar bem!”. No jogo da renúncia há uma incapacidade de se dizer Não Há um desejo onipotente de se dizer sempre Sim, ainda que seja falso. Há um desejo de parecer sempre bom, mesmo não sendo verdadeiro.
Existe uma grande diferença entre o Amor e o favor. No Amor, fazemos para os outros o que nós podemos e queremos fazer, tirando alegria do próprio ato de querer e de fazer, pois estamos realizando nossa opção. A doação, neste caso, nasce dentro de nós, como transbordamento, expressando a nossa meneira de estar naquele momento. É um ato de devoção. O favor, por outro lado, ocorre quando fazemos ou deixamos de fazer algo, sacrificando-nos.
É quando nos matamos para satisfazer alguém, quando a opinião de alguém é mais importante do que a nossa ao determinar o que queremos e o que podemos.
Sacrificar-se é tornar-se sagrado para o outro. Através do sacrifício, transformamos o ato espontâneo de Amor numa obrigação, para sermos adorados por aqueles a favor dos quais renunciamos. O sacrifício é o maior de todos os apegos, porque no seu bojo há um desejo camuflado de comprar o coração do outro.
Quando agimos por Amor, jamais alguém será ingrato conosco na nossa vida, pois no Amor verdadeiro não há espaço para a ingratidão. Mas no amor falso da renúncia, há sempre a figura da ingratidão. Chamamos de ingrata àquela pessoa a quem prestamos um favor e que, na hora de cobrar, não nos quer pagar. Ingratos para nós têm sido aqueles que não se venderam, que não se prostituíram por nosso favor.
A renúncia, que se pretendia constituir Amor, é uma distorção cultural. Acredita-se no amor como sendo proteção, como substituição ao outro, o grau de sacrifício como prova do grau de amor, como se Amor tivesse grau. Diz Milbert Newman no seu livro “Seja Você Mesmo Seu Melhor Amigo”: “Você pode ver claramente a diferença entre Amor e o que aparentemente é amor nas relações entre pais e filhos. O pais sempre afirmam que estão agindo por amor aos filhos.
Mas é fácil ver que não estão. Quando um dos pais se sacrifica por um filho, você sabe que há algo errado, pelo modo como a criança reage. Ela se sente culpada, porque o que obteve não foi por Amor, mas por abnegação. Ninguém na verdade quer os frutos do sacrifício de outra pessoa. O sacrifício é um dos piores tipos de comodismo, é alimentar aquela parte de você que se sente sem valor.
Ninguém se beneficia com isso, o que não quer dizer que você não possa às vezes decidir desistir das coisas. Mas esta é uma escolha que você faz e é feita por amor. É feito por amor a si mesmo e não por auto-aversão.” Aqui termina a citação do texto.
Existem muitos preconceitos relativamente à Alegria, relativamente ao amor a si próprio. A única coisa real nas nossas relações, que caracteriza o Amor, é a Alegria.
O que caracteriza a felicidade conjunta é a comunhão da Alegria. A Alegria é a manifestação em cada um de nós do plano humano da harmonia Cósmica, da harmonia Divina. Quando perdemos nossa Alegria, ainda que em nome do amor, não estamos de fato em estado de Amor. Não é possível rimar Amor e dor.
Muita renúncia no relacionamento humano provém do medo de sermos chamados egoístas. Este medo nos faz sair dos nossos limites, dos nossos espaços de tempo e nos darmos além das nossas próprias condições.
Há uma confusão generalizada sobre o que é o Egoísmo. Sempre nos chamou a atenção o fato de que se alguém nos chama de egoísta é porque essa pessoa está procurando alguma coisa para ela. É sempre a tentativa de nos subtrair algo em favor dela, é sempre uma forma de controlar a nossa vida. E há ainda nisto uma distorção religiosa. A Bíblia diz: “Ama o teu próximo como a ti mesmo”, e não em “vez de ti mesmo!”
Fazermos as coisas que nos fazem felizes é exatamente o oposto do egoísmo. Significa satisfazermo-nos na nossa totalidade, incluindo os nossos sentimentos, nossas ligações e responsabilidades para com os outros. Se não aprendemos isto, nunca nos importaremos de verdade com as outras pessoas. Se não nos amamos, se não nos respeitamos, se não cuidamos de nós mesmos, de onde vamos tirar o amor por alguém? No máximo, vamos fazer coisas para preencher as outras pessoas.
O maior de todos os egoísmos é quando queremos alguém para nós, quando queremos que as pessoas pensem, sintam e ajam relativamente a nós, da maneira que desejamos. É muito fácil abrirmos mão das próprias coisas, do próprio tempo, do próprio espaço, das próprias necessidades, para sermos adorados, amados e bajulados pelos outros, para que falem bem a nosso respeito. As pessoas que não se amam podem adorar outras porque adorar é relacionar-se com o outro sentindo-se inferior a ele.
As pessoas que não se amam podem gostar de ou tras, porque gostar é relacionar-se com o outro de maneira objetal, sentindo-se inferior a ele e usando-o para preencher uma incompletude interior. Mas não podem amar, porque o Amor é o testemunho do ser completo, vivo, transbordante em nós. Se nada temos, nada podemos dar.
Perdemos a Alegria quando, através destes jogos, nos afastamos do presente e nos envolvemos com o fantasma do passado ou com o fantasma do futuro, na culpa do que passou ou no medo do que virá.
Todas as vezes que saímos da base sólida e real do agora, sem coragem de largar o que ficou para trás e com medo do que nos pode acontecer no futuro, perdemos o nosso estado de dança e cronificamos a vida no estado de luta. O nosso vazio interior perde a fertilidade de uma vida plena e se transforma no sentimento de isolamento e de solidão. A festa do encontro com o que nos cerca, transforma-se numa prisão cinzenta e viver passa a ser um peso e não uma brincadeira.
A Culpa e o passado só se resolvem através do perdão e, o medo do futuro, através da Esperança. Perdoando-nos pelo que já passou e através da Esperança, deixando o futuro entregue ao próprio futuro, deixando o futuro para quando for presente, deixando o desconhecido para quando for conhecido, renascerá em nós a ludicidade humana e alegres cantaremos e dançaremos à roda da vida.
A Alegria é um processo de comunhão com as outras pessoas, uma sensação íntima e harmônica de fazer parte de um todo. É uma maneira calma e inocente de ver o mundo, como sabíamos fazer na nossa infância. Alegria é quando não medimos a vida pelo tempo, mas pela qualidade ou intensidade dela. É quando nos tornamos simples como as árvores e as estrelas; quando deixamos a vida fluir em si mesma e em nós, peregrinos da gratuidade; quando acolhemos a existência como um mundo de louvor; quando estamos em Estado de Graça e achamos graça em tudo que existe.
Dai-nos, Senhor, a alegria dos pássaros e das crianças, para que possamos brincar e cantar na gratuidade da vida!
Antônio Roberto Soares – Psicólogo